quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Tudo em mim


É da natureza de quem ama
perdoar, baixar a guarda, deitar fora o que não presta, condescender, seguir em frente,
amadurecer.  Se fôssemos todos exactamente iguais, nada haveria de genuinamente 
desafiante na descoberta do outro, na modelagem de personalidades que se propõem levar a 
vida juntas. Isto a propósito do velho tema: amuar. Quem amua, arranja, descubro-o agora, 
motivos para amuar até quando os não há. Faz esforços desmedidos, por amor, e consegue
 vencer a tentação de prender o burro, às vezes, semanas ou até meses a fio. Cria no outro a 
expectativa de que já passou, não volta a acontecer. Mas a verdade é que acontece. Acontece 
sempre. E então, quando voltamos ao amuo, só há um caminho possível: esperar que passe.
 Somos todos tão diferentes. Desta vez, quase podia jurar, se houvesse motivos para amuos, 
eram meus. Mas eu, bem, eu não sei mesmo amuar. Podia tentar aprender, mas não me 
apetece. Com o tempo, a vagar, venho aprendendo que devo ocupar-me apenas do que me 
fizer melhor ou do que fizer feliz alguém. É por isso que agora ele amua e eu, simplesmente,
 espero que passe. Vou tentar aprender a fazer isto para sempre. Sei que ele vai esforçar-se 
muito por amuar menos. E as coisas assim, enfim, fazem mais sentido. Não se muda 
ninguém. Vamos só escolhendo, os dois, a melhor maneira de fazer o outro mais feliz. 
Acho mesmo que faz mais sentido. Ele podia precisar, por exemplo, de matar ou roubar
 de vez em quando. Não é o caso. Precisa só de amuar. Eu, por exemplo, preciso de ter 
crises de choro...(..)."